Entrelinha ( S. F ) : aquilo que está implícito entre duas linhas mudas.

Entrelinha não é um buraco de fechadura. É um risco de fora a fora, com letras garrafais. Uma pixação vermelha que berra no muro branco. Aqui, as palavras não rimam. A poesia dá lugar para as crônicas egocêntricas da minha percepção mundana.Entre e fique à vontade!

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Encontrar para perder

" A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontros pela vida."
Vinícius de Morais
- Eu tenho medo
- De que ?
- do encontro
- medo do encontro?
- medo de me perder.
- De se perder ou de se encontrar?
- De me perder quando encontrar.
- Eu não tenho medo do encontro.
- não tem medo do encontro?
- tenho medo de não encontrar.
- Não encontrar?
- De me perder antes do encontro.
- De se perder ou de se encontrar?
- De não encontrar pra me perder.
- você quer se perder?
- eu quero me encontrar
-eu quero me perder
- Você quer me encontrar?

domingo, 6 de julho de 2008

Instantâneo (s. m. / adj ): rápido; súbito; que sucede num instante; momentâneo; fotografia com tempo de exposição muito reduzido.

Tira de Lucas Tonon Gehre
(
hahaha-naotemgraca.blogspot.com)

Sempre gostei dessa palavra. Acho forte, expressiva. Como se num passe de mágica, a gente pudesse mudar o nosso mundo. Um estalar de dedos e tudo se transforma: o choro vira riso, o estranho vira amigo, o amigo vira amor. Tudo isso de uma forma simples, efêmera, instantânea. A arte de se por disponível para o imprevisível. Sem amarras, sem correntes. E o que é a vida senão um instante? Esse que está se escorrendo pelos seus dedos nesse exato momento. O instante que tenta te abraçar, enquanto você foge por ter medo de cair. Essa dúvida que impede que a vida dance um tango colado com você. Hedonismo, diriam os intelectuais. Pecadores, a igreja. Porra Louca, minha mãe.

É lógico que falar de instantes é bem mais simples do que aceitar que a vida é feita deles. Não é fácil pra ninguém - sobretudo para os capricornianos - perceber que nesse planeta, o eterno é momento presente, o curso das águas não é você quem dá e os planos não passam de tempo perdido. Sim, eu estou exagerando mesmo. Mas se pararmos pra pensar, esse meu exagero está pautado na verdade. É triste, mas não mandamos em nada por aqui.

As vezes, passo meses planejando coisas que se dissolvem em segundos: viagens adiadas, amores perdidos, companhia trocada. Lembro de um carnaval antigo. A folia estava combinada com a Anita há meses de antecedência. Dias ansiosos, passagens compradas e pedras incontáveis na vesícula. A pobre Anita teve que ser operada uma semana antes do dia previsto para a orgia. E lá, estava eu, sozinha no galeão. E nesse mesmo carnaval, apareceu a Mila na minha vida. A Mila é irmã louca da Anita. Ela tinha acabado de chegar ao Rio e não conhecia ninguém, apareceu lá em casa pra tomar um chá e já foi convidada para morar. Simples e instantâneo. Como a vida deve ser. Uma amiga operada, uma amiga encontrada.

Tudo bem que se todos levassem a serio a eternidade do instante, o mundo estaria perdido. Nesse momento, por exemplo, provavelmente ninguém estaria trabalhando. Estaríamos todos enlouquecidos em uma praia ou em uma festa qualquer. Amores brotariam de forma rápida, sem tempo pra joguinhos ou máscaras. O medo do futuro seria substituído pelo prazer do eterno. E os antidepressivos sumiriam das farmácias. Como íamos organizar tanta felicidade? Será que a gente conseguiria viver em liberdade? E o poder de compra? E poder de venda? E a toda as regras que nos cerca?

Como uma boa pisciana, eu ia achar maravilhoso. Se o caos é a ordem natural das coisas, pra que passar tanto tempo tentando organizar? A vida vai encaixando tudo direitinho sem precisar de mãos adjacentes. Sei que mudar esse mundo é impossível, mas porque não mudar o seu mundo? Viver o presente. (Des)esperar. Morrer de amor. Tem coisa melhor? Nem adianta querer me enganar, eu tenho certeza que o instantâneo tem gosto de sorvete e não de miojo.


O Jogo da Amarelinha - Capítulo 7


“Toco a sua boca, com um dedo toco o contorno da sua boca, vou desenhando essa boca como se estivesse saindo da minha mão, como se pela primeira vez a sua boca se entreabrisse, e basta-me fechar os olhos para desfazer tudo e recomeçar. Faço nascer, de cada vez, a boca que desejo, a boca que a minha mão escolheu e desenha no seu rosto, e que por um acaso que não procuro compreender coincide exatamente com a sua boca, que sorri debaixo daquela que a minha mão desenha em você. Você me olha, de perto me olha, cada vez mais de perto, e então brincamos de cíclope, olhamo-nos cada vez mais de perto e nossos olhos se tornam maiores, se aproximam uns dos outros, sobrepõem-se, e os cíclopes se olham, respirando confundidos, as bocas encontram-se e lutam debilmente, mordendo-se com os lábios, apoiando ligeiramente a língua nos dentes, brincando nas suas cavernas, onde um ar pesado vai e vem com um perfume antigo e um grande silêncio. Então, as minhas mãos procuram afogar-se no seu cabelo, acariciar lentamente a profundidade do seu cabelo, enquanto nos beijamos como se tivéssemos a boca cheia de flores ou de peixes, de movimentos vivos, de fragância obscura. E se nos mordemos, a dor é doce; e se nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo de fôlego, essa instantânea morte é bela. E já existe uma só saliva e um só sabor de fruta madura, e eu sinto você tremular contra mim, como uma lua na água.”
-
Júlio Cortázar

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Para Minha Vó Alaranjada

Ela tem um gênio do cão. Um gênio do cão e um tumor no cérebro. Um tumor do tamanho de uma laranja foi o que o médico disse nessa terça feira de manhã. O mais estranho é que desde pequena, eu conheci laranjas de todos os tamanhos. E pra ser bem sincera, isso me dá um pouco de medo. Um pouco não, muito medo. Na verdade, me parece invasivo demais, pensar que alguém resolveu, de uma hora pra outra, abrir a cabeça dela para colher uma simples fruta. Será que a laranja já está madura pra ser arrancada do pé? Será que ela não vai sentir falta daquela companhia secreta? Será que os pensamentos ainda vão ter o gosto cítrico? Ela sempre foi a minha cara. Quer dizer, eu que sempre fui a cara dela. Todo mundo fala. O jeito de andar, de escrever, de levar a vida. Desde pequena, minha mãe já falava. Não sei se foi por isso, ou pelo acaso do destino, que me deram o mesmo nome que o dela: Lúcia. Significa luz. Mas não uma luz qualquer. Lúcia é uma luz bonita, mesclada, suave e forte ao mesmo tempo. A luz ideal. Pele morena, cabelos com cachos grisalhos e um sorriso apaixonado. Lembro das nossas tardes. Ela contando dos amores que teve, de como conheceu "ele" no festival de cinema da década de 50, de como era difícil uma mulher trabalhar fora naquele tempo. Nós temos os mesmos signos, só que ao inverso. Ela é libra ascendente peixes, e eu peixes ascendente libra. Ah, e lógico. Ela agora tem uma laranja a mais também. Uma laranja que vai ser retirada do pomar daqui a duas semanas. Eu ainda não tenho laranja, nem morango, nem maracujá. Só tenho meu amor por ela mesmo. Quando eu era pequena, a coisa que eu mais desejava na minha vida era correr para os braços e para a casa dela. Lá tudo era permitido! Tinha gato, cachorro, papagaio. A gente podia ser o que quiser, brincar do que quiser, se vestir do que quiser. Só não podia comer o que quiser. A comida de lá, era ruim. Ela me obrigava tomar sopas horrorosas. Eu fingia que tomava, joga fora, sofria na hora da mesa... Mas mesmo assim, valia à pena agüentar a sopa pra ficar do seu lado. De noite, subíamos para o terraço e olhávamos as estrelas, e ela contava de quando quase foi abduzida por um disco voador. Acho que é por isso que eu morro de vontade de ser abduzida até hoje. Depois, quando íamos dormir, ela limpava os nossos pés com um paninho molhado. E o melhor, ela sempre deixava eu dormir com um gato. Minha mãe odiava gatos, dizia que eu tinha alergia, mas nunca tive isso quando dormia com o gato na cama dela. Acho que a cama dela era antialérgica. Bom, depois o tempo passou. E veio a adolescência, e eu continuava a correr para os braços dela. Ela fazia cada fantasia de carnaval! Cada ano, um bloco diferente. Melindrosas, diabas, onçinhas. Nem todos os confetes do mundo, poderiam expressar a minha alegria de passar o carnaval com ela. Ai depois, o tempo passou de novo. E eu virei adulta. Uma adulta que se especializava em correr para os braços dela. Quando eu chego perto dela, tenho vontade de ficar abraçada o dia inteiro. De falar de teatro, de sonhos, de astrologia. De ver como ela é moderna mesmo tendo nascido nos anos 30. "Moderna demais"- a minha mãe fala. E agora essa: inventar de criar laranja na cabeça. Vê se pode? Mas tudo bem. Nada de ruim acontece com ela. Nem comigo. Somos Lúcia. E Lúcia significa luz. Quer saber? Eu tenho certeza que daqui a duas semanas, estaremos todos tomando suco de laranja em pleno carnaval, bem do jeito que ela gosta.

terça-feira, 1 de julho de 2008

SkaJazzseiláoque

Tira de Lucas Tonon Gehre
(
hahaha-naotemgraca.blogspot.com)

"Cada vez que eu dou um passo,
o mundo sai do lugaR... "

É incrível como o mundo anda rápido depois que você faz 18 anos. Depois que você faz 23 então, ele voa. Fico pensando o que vai acontecer quando eu tiver 40... Será que ainda vai ter ritmo pra correr tanto como corre hoje? As coisas são efêmeras na minha vida. Tá, já sei. Em todas as vidas, as coisas são efêmeras... Mas na minha, sinto que é que tudo é mais rápido. Mais apressado. Mais ritmado. Às vezes sinto falta da calma. Do eterno. Do suave. Como alguém pode se apaixonar em um segundo? Deixar de amar em uma noite? Como posso acordar feliz hoje e dormir triste amanhã? Porque essa mutação constante insiste em caminhar comigo?

Ontem teve um show delicioso no calaf. SkaJazzseiláoque. Nunca sei o nome de nada. Mesmo porque o nome não muda a essência das coisas. Como dizia Shakespeare, rosa vai ter cheiro de rosa, mesmo você chamando a de margarida. Lógico que ele fala isso de uma forma magnânima, num solilóquio da boba e doce Julieta, mas enfim. Estava lá no meio de som maravilhoso, quando um amigo mais que intimo me sentenciou: "Ou você tá apaixonada. Ou tá sofrendo. Ou as duas coisas juntas. Sempre!". Comecei me defendendo, dizendo que eu gosto de extremos. Que ou as pessoas me amam, ou que me odeiam. Que sou assim mesmo: me apaixono por qualquer um em qualquer dia. Estou sempre aberta para amor. Depois de algumas risadas de confirmação dos amigos próximos, segui dançando pela noite.

Mas aquilo ficou na minha cabeça: Que necessidade besta é essa de querer sempre tá apaixonada? De ser só lágrimas ou só suspiros? Porque não andar no meio termo? Uma pessoa madura seguiria esse caminho. Já sei... Você leu muito conto de fadas quando era pequena. E depois leu muito Vinicius de Moraes. E também muita filosofia barata de beira de esquina. Deu no que deu: intensa, imatura e insana. Agora como mudar isso?

Se você ligar a televisão, vai ver uma propaganda boba de refrigerante: você muda, o mundo muda, a nossa embalagem de refrigerante muda. Tá. Mudar a embalagem é muito fácil, né? Corta o cabelo, se veste diferente, põem aparelho nos dentes e escuta qualquer outra besteira. Já fiz isso mil vezes em uma semana. Mas como eu faço pra mudar o sabor ? Aquele que faz a rosa ser rosa mesmo que a gente a chame de margarida. É isso que eu quero saber.

Será que eu ia ser quem eu sou, parando de suspirar pelos amores perdidos? O que seria de mim, sem meus vícios? A minha risada gigantesca? Sem optar sempre pelos meus amigos em caso de dúvida? Sem as poesias escritas em um dia? Sem o jeito imaturo de se relacionar? Sem a paixão eterna pelo teatro? Será que assim, enfim, eu ia virar uma moça de fino trato? Aquelas que precisam de contrato pra amar, de certeza pra trabalhar, de normalidade pra viver. Será?

Minha mãe diz que eu sou teimosa. Sou mesmo. Talvez um dia, eu mude. Me vire do avesso. Deixe de ser Paty Lú, pra ser senhora Patrícia. Perca o apelido, perca o endereço. Sei lá. Por enquanto eu vou seguindo nesse SkaJazzseiláoque. A música tá boa, às vezes desafina. Normal também. Porque nem sempre é fácil mudar de estação, ainda mais de radio.